sábado, 23 de abril de 2011

Crítica de Antonio Hohlfeldt


Para além da tv: Teatro para ver e pensar...

Houve um tempo em que ir ao teatro era uma atividade social, que se fazia antes ou depois do jantar, conforme a temperatura de fora. Mas o teatro também pode ser visto enquanto um modo de comunicação e de expressão, que leva o sujeito - social - a refletir sobre sua realidade e o entorno. Assim pensou Aristóteles, e por isso idealizou o teatro enquanto catarse e mimese. Muitos outros filósofos e teóricos desenvolveram teorias semelhantes ou contrárias, como Bertolt Brecht, para quem o teatro não deveria impedir a ação do espectador no seu cotidiano, após refletir sobre sua realidade a partir do espetáculo. É claro que este tipo de espetáculo é mais difícil e nem sempre alcança o grande público. O que significa que artistas e grupos que se dedicam a ele precisam de apoio, apoio que surge em geral a partir do Poder Público, porque isso faz parte da cidadania.

O leitor talvez estranhe este “nariz de cera”, mas ele se faz necessário para que se possa bem entender e avaliar a proposta do ator e agora diretor Alexandre Vargas, que muitos conhecemos do grupo Falos & Stercus. Estreado em dezembro do ano passado, só agora pude assistir, a convite, o trabalho (In)acabada, que se encontra na sala 505 da Usina do Gasômetro. Quatro atrizes e um ator - Ana Rodrigues, Diana Corte Real, Rita Réus, Sirlei Karczeski e Gabriel de Negreiros - vivem personagens que pouco ou nada têm entre si, em textos fragmentados e fragmentários, que o espectador - também dividido em cadeiras distribuídas no pequeno espaço cênico, que garante a proximidade com o elenco - acompanha, com expectativa, curiosidade, adesão ou contestação. Baseado em obra plástica de Alex Fleming, o espaço cênico escuro, marcado apenas pelos focos de iluminação, engolfa a todos. Os atores quase que contracenam com o espectador, sentado em cadeiras embaladas em plástico. Uma personagem em divã ali permanece ao longo de todo o texto, que semelha um ritual - gratuito, de mergulho no sentido humano - que aparentemente chega a nada.

Posso discordar ou discutir o conceito. Na noite em que estive, a atriz Sandra Dani observou que, no início, havia certa expectativa, depois ela se acostumou e o interesse pelo espetáculo, de cerca de uma hora de duração, diminuiu. Os jovens espectadores, ao contrário, expressaram que durante todo o trabalho estiveram atentos e interessados. Quem tem razão? Eu diria que ambos: para quem conhece menos o teatro, tudo é surpresa. Para quem conhece o que significa a encenação, a exigência é maior. Um ano de preparo, por exemplo, para se chegar a este resultado, é um fato que só raros grupos são capazes de enfrentar, quer pela falta de finanças, quer pela própria dificuldade da concentração. Por outro lado, isso resulta num domínio quase absoluto da fala, do gesto corporal, da precisão da palavra expressa, nas alternâncias entre cada personagem vir à cena e manifestar-se, no ritmo controlado mas não arrastado do trabalho. Contudo, há que se considerar que, se, de fato, a palavra e o que ela expressa é o interesse maior de Vargas, ele dirige um espetáculo cênico e, portanto, o espaço ocupado pelo ator, o modo pelo qual ele se apresenta e movimenta, a luz e o som, tudo isso é fundamental até para reforçar a palavra. Ele sabe disso, com certeza. Mas precisa avançar. Neste sentido, imagino que a personagem “a narradora na sarça”, que ali fica durante todo o tempo, poderia ser mais dinâmica, não reduzindo seu movimento ao final do espetáculo. Alguém sugeriu trocas nos espaços ocupados pelos personagens: é uma alternativa. Seja como for, o que registro aqui é que Alexandre Vargas teve a coragem de propor e de se aprofundar no significado do que seja o teatro e, ao mesmo tempo, naquilo que ele pode expressar. Agora, ele tem de avançar quanto ao modo de fazê-lo. Tendo acesso ao texto, como tive, posso imaginar que, a partir desse texto, aparentemente fixado, possa-se abrir mais o espetáculo, até para atingir mais forte e dinamicamente o público. De qualquer modo, é muito bom saber que jovens realizadores querem fazer teatro para além da comum sintaxe da televisão.